Há muitas causas sociais e ambientais justas que merecem o nosso apoio, mesmo se em Portugal o cenário económico não permita a muita gente contribuir. Se calhar por isto mesmo, quando se procura apoio, pode haver a tentação de tentar justificar a importância da nossa causa de todas as maneiras e mais algumas. E aqui reside o problema.
A Associação Burricadas e a Reserva de Burros uniram esforços para uma nova campanha de angariação de fundos com vista à criação de um Parque dos Burros, onde ficaram alojados 40 animais. Estes burros farão parte de um programa de terapia assistida com animais, uma técnica que já demonstrou ser eficaz na redução da ansiedade e no combate á depressão, entre outras. Esta é sem dúvida uma causa meritória e que merece ser apoiada. O que não se percebe no meio de tudo isto é a necessidade de apregoar este projecto como “um novo programa de conservação para proteger o burro, que é hoje em dia uma espécie ameaçada em Portugal” como se lê no website da campanha para angariar fundos para a iniciativa. Até porque isto não é verdade. Nem o burro doméstico é uma espécie ameaçada nem este programa tem nada a ver com conservação da natureza. Passo a explicar.
O burro doméstico que existe pelo mundo, e portanto em Portugal, não é uma espécie diferente mas o resultado da selecção feita pelo homem ao longo dos anos a partir do burro-selvagem-africano. Á semelhança, por exemplo, do cão doméstico que teve a sua origem no lobo. Imagine que alguém quer abrir um canil para cães abandonados e afirma que assim vai salvar o lobo da extinção. Parece estranho, mas é exactamente o que este projecto apregoa pode fazer com os burros.
Os animais domésticos são o resultado da nossa selecção feita a partir de espécies selvagens e podem sempre ser recriadas se mantivermos as espécies selvagens que lhes deram origem. É bom que não se confunda a fonte com o jarro. Se todos os burros domésticos desaparecessem amanhã poderíamos recriá-los a partir dos seus familiares selvagens. Logo o número de burros doméstico em Portugal não é seguramente um problema de conservação da natureza. É verdade que o número de burros em Portugal está a descer e que em 2002 até foi reconhecida uma raça de burro nativa de Portugal: o burro-mirandês, que conta com cerca de mil efectivos. Mas não se misture as águas. Mais uma vez usando o exemplo do cão e do lobo isto apenas querer dizer que há nos burros o equivalente a um perdigueiro ou cão d’àgua português, e nada tem a ver com o lobo, a espécie que deu origem a todas as raças de cão doméstico.
Este projecto é sem dúvida um esforço meritório que não precisa destas invenções para merecer o nosso apoio. A César o que é de César, aos burros o que é dos burros.